Se você dança ou simplesmente aprecia a música árabe, certamente já se deparou com músicas cantadas.

O estudo da letra de uma música, a poesia que completa, precisa ou expande o significado que música transmite ao ouvinte, é essencial para que sua compreensão seja aprofundada e para que seja respeitado artista que a compôs.

O idioma constitui então um obstáculo para os não-falantes que desejam estudar e dançar uma música árabe. Felizmente, existe muito material disponível na rede e com letras árabes transliteradas e traduções para as mais diversas línguas, principalmente para o inglês. E a tradução do inglês para nosso querido português é abissalmente mais simples (mesmo que você não conheça a língua, pode certamente recorrer a pelo menos um amigo ouvinte de rock clássico, primo viciado em seriados americanos, vizinho que dá aulas de inglês ou mesmo para o quase preciso, porém formidável, Tradutor do Google.

Cinco sites estrangeiros que recomendo muito para encontrar traduções são o Shira – que tem várias letras traduzidas em duas versões, o que facilita o “crivo linguístico”-, o Arabic Music Translation – que tem uma lista imensa de artistas, em sua maioria pops, à direita -, o Lyrics Translate – que tem traduções pra outras línguas e um simpático botão “Thanks” para agradecer às boas almas que postaram as traduções – , o Golden Arabic Lyrics – que é focado nos grandes clássicos – e o Fórum do All the Lyrics.

Obviamente não estou dizendo que as traduções são perfeitas, tendo em vista que qualquer tradução de um idioma para outro compromete suas figuras de linguagem, suas expressões idiomáticas, seus jogos de palavras e, fatalmente, sua sonoridade, especialmente tratando-se de um idioma rico como o árabe. Acredito, porém, ser um grande passo para se ter noção da emoção e do pensamento inicialmente idealizados pelo compositor.

Dependendo da grafia do nome da música ou do artista, a transliteração pode ser feita de inúmeras formas diferentes. Vou listar alguns tópicos que talvez ajudem na busca por nomes transliterados.

1) Idioma escolhido para tradução
A língua para a qual se traduz um texto faz muita diferença na forma que se translitera um texto em árabe, que utiliza outro alfabeto.
Vou ilustrar com um exemplo: a palavra “maqsoum”. O primeiro a escrever esta palavra desta forma provavelmente era falante de francês, por ter utilizado o “ou” para traduzir o som que em português é representado por “U”.
Um inglês poderia transliterar como “maqsoom” ou “maksoom” e estaria igualmente correto!
Um brasileiro poderia escrever “macsum”, “maksum” e, por que não, “maxum”.
Vale a pena procurar por várias dessas possibilidades quando nos deparamos com um nome difícil de encontrar na internet.
Mas atenção! Para fazer o caminho oposto (transliterar você mesmo), atente-se para não “estragar” a fonética original. Por mais que os sons sejam parecidos em português, para um árabe as diferenças entre M e N ou S e Z são gritantes.

2) Vogais e acentuações
Em contraposição às nossas habituais sílabas tônicas e átonas, em árabe existe a distinção entre sílabas longas e curtas. O árabe tem apenas três vogais, aleph (ا), uou (و) e ie (ي) que, quando escritas dessa forma constituem uma vogal longa. As vogais curtas são símbolos que parecem “acentos” (essa parte foi licença poética, e não vou aprofundar porque não é relevante para este texto) correspondentes a essas letras, e geralmente são omitidas nos textos coloquiais.
A pronúncia dessas vogais curtas tem variações geográficas bastante sensíveis e, em decorrência disso, é comum encontrarmos grafias diferentes para um mesmo nome. Por exemplo, “Om Kalthoum” e “Um Kalthoum”, representam de forma igualmente correta o nome do ícone egípcio.
Também vale a pena se preocupar com o shadda, aquele micro símbolo ( ّ ) que parece um omega grego. O uso dele sobre uma consoante representa uma pronúncia “dupla” e reforçada de uma letra, prolongando o fonema imediatamente anterior. Por vezes isso é transliterado simplesmente dobrando-se a letra sobre a qual o shadda está colocado, como em “allah” (deus). O próprio “shadda” já é uma referência a si mesmo. (Agradecimento especial à maravilhosa Lalitha).

3) G e J
A letra “jim” (ج) é pronunciada na maior parte dos países árabes como o nosso “J“. No Egito, porém, ela é falada como nosso “G“. No Golfo Pérsico, no Sudão e em alguns grupos beduínos outras variações podem ocorrer; para se aprofundar um pouco neste tema clique aqui.
A diva da dança egípcia é chamada então de “Samia Jamal” na maior parte dos países árabes ou “Samia Gamal” no Egito. Essa distinção também pode fazer muita diferença quando você procurar pelos nomes das músicas. Atente-se ao seu país de origem da música e você já terá meio caminho andado.

4) Fonemas representados por números
O árabe utiliza muito mais fonemas que o português (mas não se sinta mal! Quase nenhum árabe sabe pronunciar nossos “ã“, “P” e “V“). A juventude encontrou então uma forma de se teclar via messengers sem precisar se livrar do teclado latino: utilizando os números (nossos algarismos ironicamente denominados arábicos). Os números mais utilizados são:

  • 2: representa uma pausa gutural decorrente do uso do hamza (ء) ou do “qaf” (ق). Ambos às vezes são transliterados também com um apóstrofo () e o qaf às vezes é transliterado como Q. Exemplo: “shta2na” (اشتقنا, “sinto sua falta”) e “raqs” ou “ra’s“(رقص, “dança”).
  • 3′: representa a letra “ghain” (غ), de som gutural “GH“. Muitas vezes se usa o próprio “gh” para transliterar. Exemplo: “ghanili” ou “3’anili” (غنيلي, “cante para mim”).
  • 3: representa a letra “ain” (ع, sim, parece um 3 invertido, a escolha não foi acidental), que utiliza um fonema gutural que só existe em árabe. Para ouvi-lo, clique aqui. Muitas transliterações aproximam este fonema para “aa”. Exemplo: “3ini” ou “aaini” (عيني, “meus olhos”).
  • 5 ou 7′: representa o “kha” (خ, novamente, o símbolo é parecido com a letra correspondente) que tem um som próximo ao R gutural do alemão e muitas vezes é representado simplesmente como “KH“. Exemplo: “khalij” (خليج, “golfo”)
  • 7: representa a letra “Ha” (ح, símbolo parecido novamente), que tem o som de um “H aspirado”. Exemplo: “7abibi” ou “Habibi” (حبيبي, meu querido).

Vamos espalhar essas informações! Há muito material disponível e quase não há desculpas para não se estudar uma letra antes de dançar. Com a propagação deste conteúdo, evitamos que futuras canções estilo “viva o Egito!” sejam dançadas como dabke libanês, que shaabis que glorificam o uso de haxixe sejam dançados com figurinos “clássicos” e que músicas extremamente sensíveis de lamento amoroso sejam dançadas com um largo sorriso no rosto.

Sinta-se portanto à vontade (e estimulado) a compartilhar outros sites bons de traduções que conheça, especialmente em português.

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Um abraço forte!

Rebeca

Fontes: meu cérebro, Wikipedia e um site muito bom chamado Arabic Online.

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